quarta-feira, 27 de novembro de 2013

“Cáritas se mostra como sinal de testemunho de cidadania, de promoção da justiça e da paz”

Por Dom José Luiz Ferreira Salles*
Contam que quando prenderam São Lourenço, que cuidava dos tesouros da Igreja de Roma, exigiram que ele entregasse os tesouros da Igreja. E ele apareceu depois de dois dias com uma multidão de pobres diante de seus algozes, dizendo: aqui está o tesouro da Igreja!
Pois bem, acolho a todos com muita alegria neste espaço destinado a cuidar dos nossos mais valiosos tesouros atuais.  Este prédio é um marco, um sinal de nossa solidariedade para com os pobres. Solidariedade organizada, realizada com a ternura que Jesus nos inspira e o compromisso que os pobres exigem de nós, ou seja, solidariedade concreta que expressa a verdadeira e real Caridade. Por isso, reformamos este local para ser um instrumento facilitador da articulação da caridade em nossa Diocese de Pesqueira, a cuja missão a Cáritas se dedica com tanto esforço e competência, respondendo às necessidades imediatas das situações de pobreza e ajudando toda a comunidade diocesana a tornar-se comunidade de caridade.
Nesta direção vão convergir esperanças, expectativas e súplicas dos pobres e daqui vai emanar a ternura que nasce da misericórdia e se expressa na forma de projetos e ações de sensibilização, de articulação e apoio às iniciativas dos vários grupos sócio-caritativos que atuam neste âmbito. Assim, a Cáritas se mostra como sinal de testemunho de cidadania, de promoção da justiça e da paz, de ação social solidária. Torna-se, pois, um contraponto no atual cenário do mundo de crise socioeconômica com consequências tremendas de vários níveis. Estamos perante paradoxos que denunciam um “mal-estar de civilização”: aumenta a riqueza, mas crescem as desigualdades; aumenta a produção mas morre-se de fome; aumenta o consumismo mas sobem os índices de infelicidade.

Este cenário põe-nos também diante da pobreza relativa às necessidades relacionais: a solidão, o abandono, a indiferença, o esquecimento que afetam particularmente os sós, os idosos, os doentes, os portadores de deficiência, os sem abrigo, os migrantes... Em nossa região, sobretudo, vivemos numa grande luta. De um lado a velha política de combate a seca que compra voto a custo da vida e do sofrimento de nossa gente. Do outro lado, aqueles que ousam sonhar e constroem caminhos de convivência com o semiárido, comprovando, através de ações concretas, que é possível viver com dignidade em nossa região. Os projetos de construção de cisternas, de geração de renda, de economia solidária e tantos outros têm trazidos melhores condições de vida para o nosso povo, apontado alternativas de vida digna, animando para a vivência da cidadania, despertando para a luta pelos direitos, englobando e fortalecendo o empenho pela justiça na sociedade.  Eis um sinal do Reino de Deus e da sua justiça que Jesus nos ensina a buscar em primeiro lugar.
Bem vindos e bem vindas a este lugar. A Igreja de Pesqueira abre este prédio a toda a sociedade para que seja ambiente de encontro,  troca de experiências e gestão de pessoas e de recursos em vista do testemunho de caridade.  Lugar de relação, doação e serviço de amor concreto a todo o ser humano necessitado de ajuda. Lugar onde se inspira a “caridade social ou política”, uma caridade inventiva até ao infinito, como dizia São Vicente de Paulo, com um  amor  a Deus e aos  irmãos feito  com o suor dos nossos rostos e o esforço dos nossos braços.
Antes, um cinema, este prédio abrigou famílias para tardes e noites de lazer e cultura. Depois, tornou-se escola. Agora, às vésperas do centenário de nossa diocese, neste prédio abrigamos o nosso propósito de ser sacramento de amor de solidariedade e de justiça, especialmente entre os empobrecidos. Seria coincidência que antes de ser pensado como sede da Cáritas, este prédio tenha recebido o nome de Dom Hélder Câmara, profeta dos pobres?
Seria também mero acaso que após ter funcionado, durante os anos da reforma da Catedral,  como tabernáculo para repartirmos o Pão da Eucaristia, tesouro de vida e de fé - este lugar se torne agora um ponto referencial de solidariedade e partilha de nossa Igreja diocesana?  Felizes coincidências da história, abençoados acasos que Deus nos permite para que continuemos a construir esta Igreja diocesana, cujo compromisso com a vida, a solidariedade e a partilha tem sido ratificado ao longo da história e nós queremos fomentar também em nossos dias.
Ouso pensar que a Eucaristia que aqui celebramos conseguiu abrir os nossos olhos e o coração para tomar consciência das pessoas que vivem uma situação de necessidade; para aprender a reconhecer as pobrezas com que muitas vezes se convive na maior indiferença; para identificar e partilhar as diversas situações de fragilidade. Penso em concreto nos doentes, nos idosos, nos sós, nos portadores de deficiência e seus familiares, nas vítimas da crise econômica, nos sem abrigo, nos migrantes, nos ciganos, nas situações de violência doméstica e de dependência da droga ou do álcool.
Mesmo porque se não há esperança para os empobrecidos, não haverá para ninguém, nem para os chamados ricos. Se a nossa Igreja não for capaz de suscitar esperança entre os empobrecidos, tampouco ela a terá.  E não mais haverá história para viver, contar, celebrar.
Agradeço a todos que contribuíram para que este espaço fosse reformado. Aos grupos, pastorais, movimentos e associações que desenvolvem trabalhos sociais nesta diocese, nosso reconhecimento. Sintam-se em casa nesta casa. Conto com vocês para que, articulados pela Cáritas, cuidemos bem dos tesouros de nossa Igreja.
 Obrigado por você que está aqui hoje e veio partilhar de nossa alegria.
Obrigado, Pai Santo, por nos permitires viver este momento. Dai-nos o Espírito do Amor.
Abri os olhos do nosso coração às necessidades e aos sofrimentos dos irmãos; inspirai as nossas palavras e obras para confortarmos os que andam cansados e oprimidos; e ensinai-nos a servi-los de coração sincero, segundo o exemplo e o mandamento de Cristo.
Fazei que a vossa Igreja seja o testemunho vivo da verdade e da liberdade, da justiça e da paz, para que em todos os homens se renove a esperança do mundo novo.
Mundo novo que há muito vimos construindo. Que desejamos construir em nossos dias e abraçar na eternidade.  Amém.
*Bispo da Diocese de Pesqueira. Discurso durante da inauguração da sede da Cáritas Diocesana de Pesqueira no último dia 23 de novembro.

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