Por
Dom José Luiz Ferreira Salles*
Contam que quando
prenderam São Lourenço, que cuidava dos tesouros da Igreja de Roma, exigiram
que ele entregasse os tesouros da Igreja. E ele apareceu depois de dois dias
com uma multidão de pobres diante de seus algozes, dizendo: aqui está o tesouro
da Igreja!
Pois bem, acolho a todos com muita alegria neste
espaço destinado a cuidar dos nossos mais valiosos tesouros atuais. Este prédio é um marco, um sinal de nossa
solidariedade para com os pobres. Solidariedade organizada, realizada com a
ternura que Jesus nos inspira e o compromisso que os pobres exigem de nós, ou
seja, solidariedade concreta que expressa a verdadeira e real Caridade. Por
isso, reformamos este local para ser um instrumento facilitador da articulação
da caridade em nossa Diocese de Pesqueira, a cuja missão a Cáritas se dedica
com tanto esforço e competência, respondendo às necessidades imediatas das
situações de pobreza e ajudando toda a comunidade diocesana a tornar-se
comunidade de caridade.
Nesta direção vão convergir
esperanças, expectativas e súplicas dos pobres e daqui vai emanar a ternura que
nasce da misericórdia e se expressa na forma de projetos e ações de
sensibilização, de articulação e apoio às iniciativas dos vários grupos
sócio-caritativos que atuam neste âmbito. Assim, a Cáritas se mostra como sinal
de testemunho de cidadania, de promoção da justiça e da paz, de ação social
solidária. Torna-se, pois, um contraponto no atual cenário do mundo de crise
socioeconômica com consequências tremendas de vários níveis. Estamos perante
paradoxos que denunciam um “mal-estar de civilização”: aumenta a riqueza, mas
crescem as desigualdades; aumenta a produção mas morre-se de fome; aumenta o
consumismo mas sobem os índices de infelicidade.
Este cenário põe-nos também diante
da pobreza relativa às necessidades relacionais: a solidão, o abandono, a
indiferença, o esquecimento que afetam particularmente os sós, os idosos, os
doentes, os portadores de deficiência, os sem abrigo, os migrantes... Em nossa região, sobretudo,
vivemos numa grande luta. De um lado a velha política de combate a seca que
compra voto a custo da vida e do sofrimento de nossa gente. Do outro lado, aqueles que ousam sonhar e
constroem caminhos de convivência com o semiárido, comprovando, através de ações
concretas, que é possível viver com dignidade em nossa região. Os projetos de
construção de cisternas, de geração de renda, de economia
solidária e
tantos outros têm
trazidos melhores condições de vida para o
nosso povo, apontado alternativas de vida digna, animando para a vivência da
cidadania, despertando para a luta pelos direitos, englobando e fortalecendo o empenho pela justiça na
sociedade. Eis um sinal do Reino de Deus e da sua justiça
que Jesus nos ensina a buscar em primeiro lugar.
Bem vindos e bem vindas a este
lugar. A Igreja de Pesqueira abre este prédio a toda a sociedade para que seja
ambiente de encontro, troca de
experiências e gestão de pessoas e de recursos em vista do testemunho de
caridade. Lugar de relação, doação e serviço de amor
concreto a todo o ser humano necessitado de ajuda. Lugar onde se inspira a “caridade
social ou política”, uma caridade inventiva até ao infinito, como dizia São Vicente de Paulo, com um amor a
Deus e aos irmãos feito com o suor dos nossos rostos e o esforço dos
nossos braços.
Antes, um cinema, este prédio
abrigou famílias para tardes e noites de lazer e cultura. Depois, tornou-se
escola. Agora, às vésperas do centenário de nossa diocese, neste prédio abrigamos
o nosso propósito de ser sacramento de amor de solidariedade e de justiça,
especialmente entre os empobrecidos. Seria coincidência que antes de ser
pensado como sede da Cáritas, este prédio tenha recebido o nome de Dom Hélder
Câmara, profeta dos pobres?
Seria também mero acaso que após
ter funcionado, durante os anos da reforma da Catedral, como tabernáculo para repartirmos o Pão da
Eucaristia, tesouro de vida e de fé - este lugar se torne agora um ponto
referencial de solidariedade e partilha de nossa Igreja diocesana? Felizes coincidências da história, abençoados
acasos que Deus nos permite para que continuemos a construir esta Igreja
diocesana, cujo compromisso com a vida, a solidariedade e a partilha tem sido
ratificado ao longo da história e nós queremos fomentar também em nossos dias.
Ouso pensar que a Eucaristia que
aqui celebramos conseguiu abrir os nossos olhos e o coração para tomar
consciência das pessoas que vivem uma situação de necessidade; para aprender a
reconhecer as pobrezas com que muitas vezes se convive na maior indiferença;
para identificar e partilhar as diversas situações de fragilidade. Penso em
concreto nos doentes, nos idosos, nos sós, nos portadores de deficiência e seus
familiares, nas vítimas da crise econômica, nos sem abrigo, nos migrantes, nos
ciganos, nas situações de violência doméstica e de dependência da droga ou do
álcool.
Mesmo porque se não há esperança
para os empobrecidos, não haverá para ninguém, nem para os chamados ricos. Se a
nossa Igreja não for capaz de suscitar esperança entre os empobrecidos,
tampouco ela a terá. E não mais haverá
história para viver, contar, celebrar.
Agradeço
a todos que contribuíram para que este espaço fosse reformado. Aos grupos,
pastorais, movimentos e associações que desenvolvem trabalhos sociais nesta
diocese, nosso reconhecimento. Sintam-se em casa nesta casa. Conto com vocês
para que, articulados pela Cáritas, cuidemos bem dos tesouros de nossa Igreja.
Obrigado por você que está aqui hoje e veio
partilhar de nossa alegria.
Obrigado,
Pai Santo, por nos permitires viver este momento. Dai-nos o Espírito
do Amor.
Abri os olhos do nosso coração às necessidades e aos
sofrimentos dos irmãos; inspirai as nossas palavras e obras para confortarmos
os que andam cansados e oprimidos; e ensinai-nos a servi-los de coração
sincero, segundo o exemplo e o mandamento de Cristo.
Fazei que a vossa Igreja seja o testemunho vivo da verdade e
da liberdade, da justiça e da paz, para que em todos os homens se renove a
esperança do mundo novo.
Mundo novo que há muito vimos construindo. Que desejamos
construir em nossos dias e abraçar na eternidade. Amém.
*Bispo da Diocese de Pesqueira. Discurso durante
da inauguração da sede da Cáritas Diocesana de Pesqueira no último dia 23 de
novembro.